domingo, 5 de abril de 2009

Palavras, para quê?

Palavras, para quê?

Quero que me saiam palavras que insistem em manter, dentro de mim, um trânsito caótico, num ir e vir sem freio nem direção, palavras que vão e vêm sem fim e colidem entre si.
Quero que me saiam as palavras, pois não agüento que elas me entrem aos ouvidos, palavras dos outros e que confundo como minhas e insisto em lhes dar um sentido, sentido ao que não se pode ordenar.
Quero que elas me saiam para que eu me torne um escritor e, sendo assim, torne-me algo, ou melhor, uma palavra que já possui direção: o escritor escreve; é aquele que deixa os riscos tomarem forma entendível no papel e que, no final, a união dessas formas produz uma outra que, para o escritor, denuncia uma cumplicidade entre elas.
Quero que me saiam as palavras para que a mosca que insiste em dizê-las cá dentro da minha cabeça silencie-se e que seu sangue se torne tinta nanquim, polvo voador, para manchar a folha branca; uma mancha-borrão cuja forma se crie na imaginação como, quando crianças, fazemos com as nuvens. E a forma dessa mancha será ela mesma como se apresenta, mesmo que não haja palavra para apresentá-la e eu não a criarei.
Quero que me saiam as palavras para que eu possa dormir sozinho e acordar descansado.