quarta-feira, 27 de maio de 2009

O que os seus olhos dizem?

O que os seus olhos dizem?

De tudo o que se pode dizer por movimentos da abóboda ocular, contempla-se já de logo o céu e seus arredores. A isso veria quem tivesse a singela destreza de pendurar-se com as mãos no parapeito ciliar e olhasse pra de lá da janela córnea. A isso e a tudo mais o que se pode imaginar por de lá do nervo ótico, esse que estivesse por de cá do parapeito ciliar veria, lógico está que a também depender da altura de seu próprio parapeito, da convexidade de sua janela córnea e da destreza do além de seu nervo ótico, mas veria complexo que é assim dentro das pessoas. E eis que me surgem seus olhos que não possuem o parapeito ciliar; são inatingíveis; são insondáveis. Mas brilham, reluzem; como são lindos! Pretos. E sem parapeito, a visão é infinita, não imaginável pra lá de meu nervo ótico, mas estranhamente sentido por debaixo de minhas costelas.

segunda-feira, 18 de maio de 2009

A bicicleta desgovernada

Desnecessário seria dizer que a reação de embabacamento experimentada por ela no momento em que viu a bicicleta desgovernada é experimentada por todos ali que presenciam a cena. Mas antes, não podemos passar sem a explicação sobre o adjetivo usado para caracterizar a atual situação da bicicleta: desgovernada. Alguém pode nesse momento estar se perguntando se a bicicleta está a andar batendo às coisas e aos muros e, se sim, como até agora não caiu. Mas não é isso o que as pessoas vêem, mas sim uma bicicleta que anda à calçada cimentada, sem bater, numa velocidade nem rápida e nem lenta. Ora essa, e por que então do adjetivo a lhe manchar as correias, perguntaria outra pessoa. E a resposta é exatamente pelo simples detalhe de ninguém a governar, restando, para essa tarefa, apenas sua própria vontade bicicleta. Ora, ninguém ali, presente naquela casa, mesmo que acostumados a discutirem a questão sobre as diferentes formas de se viver, falar, cheirar, ouvir, tatear e degustar essa nossa existência, dependendo, essas formas, exatamente do que, num frágil acordo, as pessoas concordam a cerca do que é vontade e sua potência criadora e destrutiva, enfim, mesmo que seja rica essa discussão, ninguém ali presente já ouvira, vera, pensara ou imaginara a vontade de uma bicicleta, daí a nossa precipitada e errônea conclusão que diz que as bicicletas não possuem vontade própria. Mas também, mesmo que errônea a conclusão, espero que o relato não seja reprimido, pois afinal não se vê por aí, a cada esquina, bicicletas com vontades próprias, o que deixa passar com permissão a adjetivação, imprópria, porém coerente, de desgovernada à bicicleta da garota.

domingo, 3 de maio de 2009

A noite

A noite

À noite o mundo não dorme. Correm aos cantos os notívagos. Buscam saciar a fome pela lua, pelo escuro quase negro, mas que denuncia os contornos dos corpos, a silhueta de um busto ou movimento de cabelos.
À noite, o mundo não sonha. Encontra-se a realidade nua e crua, as putas à espera, os crentes aos bandos, andarilhos incansáveis e playboys torrando o saco de Narciso.
À noite, o mundo não para. Correm, nas veias asfálticas, os carros a brincarem com a vida ou a ganharem-na em cada centavo da corrida.
À noite, o mundo não se cala. Falam os morcegos, os faróis estalam, os dentes picam, o sangue jorra, o vento sopra, as folhas balançam, os olhos reviram, os corpos transam. Mas, os pássaros, ninguém os escuta.
À noite, as notas agudas são reais; às notas graves, as grades para, quem sabe, amanhã.
A noite é bela.
Victor Melo