sexta-feira, 28 de maio de 2010

Migração

Era claro para a mãe de Luiz que a escolha do irmão e, por conseqüência do filho, de se irem dali para um lugar tão distante, não se resumia às diferenças geográficas, semi-árido ali, planície tropical de lá, mas havia outros fatores dos quais podemos nomear o propagandístico, que a ela chegava arrematado assim: lá se tem trabalho todos os dias do ano, como a pouco lhe disse Luiz. Como ponto final de sua dor, encerrando as batidas do coração numa lágrima solitária, lhe aparecia a urgência da diligência, amanhã sai o pau de arara, amanhã Luiz quer ir, amanhã Luiz vai, nem oportunidade de ser uma boa mãe ela terá, preparando-lhe uma matula recheada com carne de sol, arroz e feijão, pois já é noite; e quem viu a lágrima escorrer foram as estrelas apenas, que não contarão pra ninguém, sabem guardar segredo como bem quer Laíde, por isso é que não lhe caiu a segunda lágrima, pois denunciam-se uma à outra, principalmente quando saem de cada olho. Laíde segura o terço, a cruz e a imagem de São Felix de Cantalice, rogando proteção a Luiz, ao invés de dar graças, a esse santo cujo dia é o 18 de maio e a quem Luiz também é devoto.

terça-feira, 18 de agosto de 2009

Notas

É de se estranhar essa balbúrdia toda no Senado. Mais estranho ainda é o silêncio geral. O Senado está apodrecendo de tanta vaidade e de tanta hipocrisia que nem manifestação pacífica sua polícia deixa fazer. Mas era de se esperar; na verdade, nada disso é estranho, pois o silêncio geral, o meu, o seu, o do vizinho, denuncia que não sabemos colocar pessoas dignas para ocuparem as cadeiras do Senado por oito anos. Mas, pra não correr o risco de morrer engasgado toda vez que escuto e ou assisto às notícias sobre essa palhaçada toda, deixo aqui minha celebração pelos 10 do Senado. Talvez não saibam, mas, sem eleição, representaram milhões de brasileiros quando gritaram Fora Sarney.

terça-feira, 14 de julho de 2009

Paisagem com giz pastel seco.















Copo de Leite, óleo em tela.


















Carla (irmã), óleo em tela.



















domingo, 21 de junho de 2009

Dói ausente o momento - VII

Dói ausente o momento
Em duas almas
Uma que dói
A outra que vive.

Dói ausente o momento
Em duas almas
Uma que vibra
A outra que ecoa.

Dói ausente o momento
Em duas almas
Uma que sorri
A outra que se desculpa.

Dói ausente o momento
Em duas almas
Uma que marca pegadas
A outra, passos.

Dói ausente o momento
Em duas almas
Uma que chora
A outra também.

Dói ausente o momento
Em duas almas
Uma que verte solidão
A outra, lágrimas.

Dói ausente o momento
Em duas almas
Uma que pinta
A outra que sente.

Dói ausente o momento
Em duas almas
Uma que grava
A outra que filma.

Dói ausente o momento
Em duas almas
Uma que dói
A outra também.

Dói ausente o momento
Em duas almas
Uma que se aquece
A outra que se apaga.

Dói ausente o momento
Em duas almas
Uma que sente falta
A outra que se farta.

Dói ausente o momento
Em duas almas
Uma de ferro
A outra de aço.

Dói ausente o momento
Em duas almas
Uma transparente
A outra de vidro.

Dói ausente o momento
Em duas almas
Uma que bate no muro
A outra que o atravessa.

Dói ausente o momento
Em duas almas
Uma que fala
A outra que cala.

Dói ausente o momento
Em duas almas
Uma que liga
A outra que se desliga.

Dói ausente o momento
Ao sol, despreocupado
Pois dói sem dor.

quarta-feira, 17 de junho de 2009

Dói ausente o momento - VI

Dói ausente o momento
Pálido no grito
Desconhecedor da sonora força.

Dói ausente o momento
Em dois corações novos
Um triste
O outro também.

Dói ausente o momento
Em dois corações novos
Um acompanhado da solidão.
O outro, solitário

Dói ausente o momento
Em dois corações
Um que mostra
O outro que lê.

Dói ausente o momento
Em dois corações
Um que não espera
O outro que senta.

Dói ausente o momento
Em dois corações
Um carente
O outro, ausente.

Dói ausente o momento
Em dois corações
Um gentil
O outro também.

Dói ausente o momento
Em dois corações
Um que cala
O outro que pensa, e não para.

Dói ausente o momento
Em dois corações
Um que é livre
O outro que é solto.

Dói ausente o momento
Em dois corações
Um que pisa
O outro que se esvai.

Dói ausente o momento
Em dois corações
Um que dança
O outro também.

Dói ausente o momento
Em dois corações
Um que olha
O outro que cerra os olhos.

Dói ausente o momento
Em duas bocas
Uma vermelha
A outra rosa.

Dói ausente o momento
Em duas bocas
Um que sorri
A outra também.

Dói ausente o momento
Em duas bocas
Uma que seca
A outra que molha.

Dói ausente o momento
Em duas bocas
Uma grande
A outra que pergunta.

Dói ausente o momento
Em duas bocas
Uma de lábios fartos
A outra de fartos lábios e, talvez, por isso, ausentes.

Dói ausente o momento
Em quatro olhos
Dois que se aproximam
Dois que se ausentam.

Dói ausente o momento
Em quatro olhos
Dois que se esclareçem
Dois que são pretos, pois ausentes.

Dói ausente o momento
Em quatro olhos
Dois tristes
Dois preocupados.

Dói ausente o momento
Em quatro olhos
Dois que falam
Dois que gemem.

Dói ausente o momento
Em quatro olhos
Dois que buscam
Dois que são buscados.

Dói ausente o momento
Em quatro mãos
Duas que amarram
Duas que desatam.

Dói ausente o momento
Em dois corações
Um que não espera
O outro que já se foi.

terça-feira, 16 de junho de 2009

Dói ausente o momento - V

Dói ausente o momento
Pela batida do surdo que não houve
Contido pela ausência sonora

Dói ausente o momento
No espalhar de inexistente aroma
De flor que não se soma
Arranhada em olfativa ausência.

Dói ausente o momento
Preso aos cílios sem rédeas
Presente no olhar que se ausenta.

Dói ausente o momento
Desgostoso, na boca fria,
Queimado pelo fogo rosa
De degustada ausência.

Dói ausente o momento
No tato de sedoso toque
Da pele-botão que, ausente, não se abre.

Dói ausente o momento - IV

Dói ausente o momento
Na tristeza que se repete
E na ausência que fascina.

Dói ausente o momento
Pela doçura relembrada
Quando calado fez a noite
Laçado num intenso abraço.

Dói ausente o momento
Tenro, pois molhado
E delicado por segurada lágrima.

Dói ausente o momento
Pela lágrima caída
Segurada, pois confiada
Confiada, pois cuidada.

Dói ausente o momento
Repetido em solitário diário
Pois não alcançado por nenhuma palavra.